Maria

firenze_vergine_del_mantoNossa Senhora das Dores e seus arautos, os Servos de Maria

A Ordem dos Servos de Maria (servitas), cujos sete fundadores a Mãe de Deus convidou conjuntamente, dedica-se sobretudo a difundir a devoção às principais dores que Maria pereceu durante sua vida.

“Eis os servos de Maria!” exclamavam miraculosamente nos braços de suas mães várias crianças de meses. Entre os inocentes que se rejubilavam com suas harmoniosas vozes, encontrav-se o pequeno Felipe Benizi, de ilustre família florentina — mais tarde admirável Prior Geral da Ordem dos Servos de Maria ou dos Servitas e, grande Santo.

Esse prodígio ocorreu em 1235, quando sete jovens caminhavem pelas ruas de Florença, atraindo a curiosidade e a admiração da população da cidade. Eles pertenciam a estirpes locais das mais notáveis e haviam se retirado dois anos antes a Cafaggio, fora dos muros de Florença, a fim de começar um cenóbio, com intensa vida de penitência e oração.

Bonfilho Monaldi, Aleixo Falconieri (Aleixo), Bartolomeu Amidei (Amadeu), João Manetti (Bonajunto), Bento de l’Antella (Maneto), Gerardo Sostegni (Sóstenes) e Ricovero Lippi (Ugucião), eram seus nomes de família. Entre parêntes3es, figura a denominação que a própria Mãe de Deus atribuiu a cada um dos sete videntes, quando lhes apareceu em 1233, nome que passaram a usar na vida religiosa.

Nossa Senhora escolheu esses sete privilegiados para uma vocação sublime: praticar a pobreza e uma renúncia radical ao mundo, além de severa penitência; e especial devoção a Ela, vinculada às dores que sofreu durante a Paixão de Seu divino Filho.

Para se compreender melhor tal chamado parece-nos conveniente apresentar, de modo sintético, o contexto histórico em que foram suscitados pela Providência tais insignes confessores da Fé, que fundaram uma importante Ordem religiosa, em cujo seio já floresceram mais de dez Santos canonizados.

FLORENÇA NA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XIII

A capital da Toscana, cuja população passou de 40 para 80 mil habitantes naqueles 50 anos, gozava de uma prosperidade digna de nota, com acentuado desenvolvimento de suas “artes” e ricas corporações de ofícios, as quais já ultrapassavam o número de vinte. Entre as “artes”, denominadas “maiores”, podem ser lembradas a dos juízes e escrivães, a dos banqueiros e a dos vendedores de fazenda. Dentre as corporações “médias”, constavam a dos ferreiros, a dos açougueiros, a dos escultores. E dentre as “menores”, figuravam a dos comerciantes de vinho, a dos forjadores de metais diversos, a dos forneiros, a dos padeiros.

O bem estar material desfrutado pela população da cidade predispunha muitos espíritos à ganância, ao apego às riquezas, à vanglória e à conseqüente rejeição de uma vida virtuosa.

Deus costuma suscitar fundadores, Ordens e Congregações religiosas em função das necessidades de cada época. E poder-se-ia dizer que o demônio, além de instigar tanto indivíduos quanto instituições ao vício e ao pecado, também cria condições para o aparecimento de heresiarcas e heresias, as quais, por vezes, constituem caricaturas de movimentos de sadia reação católica contra os vícios característicos de uma fase histórica.

Pouco antes de surgir a Ordem dos Servos de Maria, em 1206, São Domingos de Gusmão pregou no sul da França contra os hereges albigenses, cátaros, e pátaros valdenses — propugnadores de uma falsa virtude da pobreza — tornando-se ademais grande difusor da devoção mariana mediante a recitação do rosário.

E São Francisco de Assis, em 1209, começou sua pregação itinerante desposando a “dama” pobreza.

Dois portentosos fundadores, cuja missão era de grande alcance para combater tanto o vício da ganância quanto a caricatura herética da virtude da pobreza, bem como para incrementar a tão necessária devoção mariana.

Aproximadamente duas décadas depois, sete jovens florentinos são diretamente convocados pela Mãe de Deus para complementar e reforçar a obra providencial realizada por São Domingos e São Francisco. De fato, essa é a verdadeira perspectiva na qual deve ser compreendida a espiritualidade e a atuação dos Sete Fundadores e de sua família espiritual.

Já na época da aparição da Virgem Santíssima aos fundadores da Ordem dos Servitas os hereges pátaros e albigenses haviam estendido seu nefasto e pestilencial proseliteismo por toda a Itália central. Difundiam eles, seu menosprezo ao verdadeiro lugar que ocupam a humanidade de Jesus Cristo e a Maternidade divina de Maria na obra da salvação, o que determinou o aparecimento de grupos de leigos ortodoxos em Florença. Estes, para contrarrestar a influência malsã dos hereges, sustentavam publicamente as mencionadas verdades de fé.

A LUTA ENTRE GUELFOS E GUIBELINOS

Florença e outras cidades italianas sofreram no mencionado período histórico a influência da contenda que se estabeleceu na Alemanha, desde 1212, entre os dois pretendentes ao trono do Sacro Império Romano Alemão: Otto IV, cognominado Guelfo, e Frederico II, denominado Gibelino.

O primeiro documento histórico em que aparecem esses dois termos data de 1230 e é originário precisamente de Floreça. O partido dos Guelfos tomou posição contra Frederico II, que havia sido excomungado pelo Papa Inocêncio III. E o partido dos Gibelinos era favorável do Imperador.

Apartir de 1247, porém, durante o conflito entre Frederico II e o Papa Inocêncio IV que o excomundou, verificou-se uma transformação no significado dos dois termos: Gibelinos não eram apenas os partidários de Frederico II, mas também do Império; e Guelfos não constituíam somente os inimigos de Frederico II, mas, além disso, eram partidários de seu novo inimigo — o Papado.

Após 1250, os dois partidos já estavam solidamente organizados na cidade e abarcavam suas famílias nobres. E tal divisão começou a se espraiar pelas cidades vizinhas.

Era natural, pois, que os católicos mais fervorosos se alinhassem, na época, com o partido dos Guelfos, e não com os Gibelinos, os quais defendiam a posição de um imperador excomungado e se inclinavam a favor de um império cuja suprema cabeça se insurgia contra o Papa.

Compreende-se, pois, que os primeiros Servitas tivessem encontrado boa aceitação por parte dos Cardeais legados de Inocêncio IV na luta contra Frederico II. Estes não só apreciavam a perfeita ortodoxia dos novos religiosos, mas constatavam que a primeira comunidade dos Servos de Maria, por sua situação social e política, alinahva-se com os Guelfos. E a bula Deo grata de Alexandre IV, de 23 de março de 1256, aprovando a nova Ordem, veio confirma de forma definitiva a anterior benevolência da Santa Sé.

CONFRARIA MARIANA

Havia em Florença uma Confraria, a dos Laudesi, cujos membros se propunham homenagear de modo especial a Santíssima Virgem. Na festa da Assunção de 1233, sete fervorosos Laudesi encontravam-se reunidos numa igreja, quando lhes apareceu a Mãe de Deus e os chamou para seu Serviço. A própria Virgem indicou-lhes os nomes que deveriam adotar na Ordem dos Servos de Maria para a qual os convocava. E na mesma visão, mostrou-lhes o hábito negro que usariam, prescreveu-lhes a regra de Santo Agostinho como norma de vida. E estabeleceu como objetivo da nova Ordem a santificação de seus membros mediante fiel servidão para com Ela.

Os sete fundadores aceitaram incontinenti o honroso e sobrenatural convite. Tendo colocado o Bispo da cidade, Ardingo, a par do ocorrido, os sete jovens retiraram-se, a seu conselho, para uma pequena casa fora da cidade, em Cafaggio, junto aos muros de Florença, onde se dedicavam a uma intensa vida de oração e penitência.

Após dois anos, voltaram os Servos de Maria à cidade, a fim de relatar ao Prelado sua experiência cenobítica. Nessa ocasião, ocorreu o milagre das exclamações proferidas pelas crianças de colo, referido no início deste artigo. O prodígio fez crescer na população a reputação de santidade que os sete Fundadores já desfrutavam.

Com o apoio do Bispo Ardingo, os jovens decidiram deixar Cafaggio para se retirar a um local mais ermo — o Monte Senário, de 800 metros de altitude localizado a 18 quilômetros de Florença.

O convento edificado então no Monte Senário é considerado até hoje pelos Servitas como o principal marco de referência de sua Ordem, como o símbolo material de suas origens. Ali se conservam as preciosas relíquias dos sete Fundadores.

Entre 1249, o Cardeal legado do Papa Inocêncio IV, Raniero Capocci, tomou a comunidade dos Servos de Santa Maria, como era popularmente conhecida, sob a proteção da Sé Apostólica; confirmou a concessão já feita pelo Bispo Ardingo de se observar a regra de Santo Agostinho, permitindo-lhe receber como novos membros pessoas livres provenientes da vida secular.

No ano seguinte, o Cardeal Pedro, titular de São Jorge in Velabro, que sucedera o legado papal anterior, autorizou o Prior do convento de Monte Senário, Frei Bonfilho, a absolver da excomunhão os leigos que haviam apoiado o imperador alemão Frederico II e desejassem professar sua regra de vida.

Seis anos mais tarde, em 1256, conforme já foi dito, a Ordem dos Servos de Maria foi aprovada por Alexandre IV mediante a bula Deo grata.

A GLORIFICAÇÃO DOS FUNDADORES

Os santos Fundadores, como a exceção de Aleixo Falconieri, viveram e morreram no convento do Monte Senário. Este último faleceu em Florença com a avançada idade de 110 anos. O Papa Clemente XI aprovou seu culto em 1717, enquanto os seis outros Fundadores tiveram seus cultos permitidos por Bento XIII, em 1725. Em 1728, foi aprovado o ofício e a missa própria dos Sete Fundadores, cuja festa foi fixada para o dia 11 de fevereiro.

Em 1884, Leão XIII reabriu a causa de canonização dos Fundadores, interrompida há cerca de 150 anos, considerando suficientes quatro milagres obtidos pela invocação coletiva dos sete. Por decreto publicado em 27 de novembro de 1887, o Pontifice aceitou, pela primeira na História da Igreja, quatro milagres por assim dizer coletivos, operados pelos Fundadores. E a 15 de janeiro de 1888 os Sete foram canonizados conjuntamente por aquel Papa.

As urnas funerárias dos sete Santos conservaram-se sob o altar-mor da igreja do Monte Senário, sendo posteriormente transladadas para o interior do altar da capela denominada das Relíquias, existentes no mesmo templo.

DIFICULDADES INICIAIS E EXPANSÃO DOS SERVITAS

Para se compreender as vicissitudes por que passou em seus primórdios a Ordem dos Servos de Maria importa tecer aqui algumas considerações históricas.

No pontificado de Inocêncio III, realizou-se o IV Concílio de Latrão, em 1215, portanto 41 anos antes da primeira aprovação pontifícia da referida Ordem pelo Papa Inocêncio IV.

Naquela reunião conciliar, por seu decreto 13o., fora estabelecido que qualquer pessoa ou grupo interessado em ingressar na vida religiosa deveria escolher uma das formas já existentes e aprovadas pela autoridade eclesiástica, ou seja: a regra de Santa Agostinho; e a regra de São Basílio, para o Oriente. O objetivo daquele decreto era ordenar o crescimento de novos institutos religiosos, que haviam-se multiplicado desenfreadamente.

Em 1274 foi convocado pelo Papa Gregório X o II Concílio de Lião, que, constatando o desrespeito reiterado do aludido decreto 13o., após o encerramento do Concílio de Latrão, procurou colocá-lo em prática, proibindo, Ordens mendicantes, ou seja, insituições religiosas sustenteadas exclusivamente por esmolas. E Ordens de tal gênero, Fundadas após 1215 — como veremos a seguir, os Servitas pareciam enquadrar-se nessa espécie — não poderiam, a partir daquele Concílio de Lião, portanto de 1274 em diante, admitir novos membros. O que equivaleria ao desaparecimento lento, por morte natural.

Ora, em 1251, nos primórdios da história dos Servitas, quando Frei Bonfilho ainda era o Prior do Convento de Monte Senário, foi doado um terreno à comunidade para a construção de uma igreja em Cafaggio. A doação feita mediante a compra do terreno foi ratificada por ato capitular. Neste, os religiosos externaram a intenção de manter um estrito regime de pobreza não só individual, mas também comunitário. Esse ato capitular ficou conhecido como Ato de Pobreza e, devido a seu rigorismo, dava a impressão de atribuir à Ordem a característica de mendicante. Com efeito, a partir de então, os servitas, em via de regra, renunciaram a qualquer fonte de renda e à posse de bens móveis e imóveis.

Assim, pelo II Concílio de Lião, os Servitas — aparentemente como Ordem mendicante criada após o IV Concílio de Latrão — parecia fadada a desaparecer.

A Santíssima Virgem, porém, que havia suscitado miraculosamente aquela família religiosa e guiado seus passos, até então, não desamparou seus fiéis servos. E a Ordem foi salva especialmente pela providencial atuação de um Santo bem mais jovem que os Sete Fundadores. Ele era uma das crianças que em 1233, no colo de sua mãe, chamou-os “Servos de Maria”. Trata-se de São Felipe Benizi, que ingressou na Ordem em 1254 e foi eleito seu Prior Geral em 1267.

Para impedir a extinção de sua família religiosa, como já sucedera com algumas Ordens mendicantes, o novo Prior Geral desenvolveu um ingente trabalho para comprovar que, a partir de 1257 e a pedido do Capítulo geral da Ordem, haviam sido feitas consideráveis exceções ao Ato de Pobreza com as devidas autorizações. E ressaltou igualmente que, desde o início, os Servitas haviam adotado a regra de Santo Agostinho; e que talvez após acurada e rápida revisão da legislação própria da Ordem dos Servos de Maria — nada se oporia à posse de bens por parte dela.

O esforço desenvolvido por São Felipe Benizi, falecido com 52 anos em 1285, produziu frutos decisivos logo após sua morte. De fato, já no ano seguinte, começaram a vir a público pareceres da Cúria romana favoráveis à manutenção da Ordem — portanto, a que esta recebesse novos membros –, os quais preparavam o caminho para a definitiva aprovação papal. Esta foi concedida afinal por Bento XI, em 1304, através de bula Dum levamus, estando ainda vivo um dos sete Fundadores, Frei Aleixo Falconieri, o qual entregou sua alma a Deus seis anos depois.

A Ordem dos Servitas difundiu-se nos primeiros séculos de sua história para vários países europeus. E alcançou, a partir do século XIX, significativa expansão nas Américas, na ≡frica, na India, nas Filipinas e na Austrália.

Os Servitas estabeleceram-se no Brasil em 1919. A Província brasileira da Ordem contava, no fim da década de 80, Casa provincial em São Paulo, e conventos em São José dos Campos (SP), Rio de Janeiro, Curitiba, Turvo (SC), Rio Branco e Sena Madureira (AC).